Meus amigos Adriano Gmach e Tiago Adami escreveram o Manual do Segurado Facultativo, e me convidaram para fazer a apresentação da obra. A apresentação tem o objetivo de dizer ao leitor, resumidamente, do que trata o livro. Para isso, eles me mandaram o texto completo da obra, e eu fui comentando capítulo por capítulo. A vontade era de escrever praticamente outro livro de comentários ao livro deles, mas quem deve brilhar são os autores. Então, segurei o ímpeto e escrevi pouquinho, apenas três páginas.

Ontem terminei de ler a obra Formações Econômicas Pré-Capitalistas, de Karl Marx. O livro tem 136 páginas. Destas, as primeiras 64 páginas trazem apenas a ‘introdução’, escrita por outra pessoa. Sabe quando alguém conta uma anedota, e outra pessoa fica explicando a piada (achando que só ele entendeu)? Pois então, a pessoa fica explicando tuuuuuuudo o que Marx escreveu nas outras 72 páginas. Praticamente metade do livro absolutamente desnecessária, só para o convidado ‘aparecer’.

Feita a crítica à introdução, vamos ao principal. O livro é composto por notas (anotações) decorrentes dos estudos históricos de Marx e, ao final, algumas cartas trocadas com Engels e Zasulich. Ele vai desenhando, no decorrer do texto, como foram se formando as sociedades, partindo da exploração do solo pelas famílias, até a mão-de-obra assalariada.

É importante nos situarmos no momento histórico: no fim do século 18 começa a chamada Revolução Industrial, momento em que surgem as primeiras máquinas, substituindo a mão-de-obra humana. Como tudo na vida, esta transformação também foi acontecendo gradativamente, tanto que o fenômeno só começou chamar a atenção no século 19. Foi também no século 19 que viveu Karl Marx (1818-1883).

Voltando ao livro, Marx mostra que, no passado, as famílias exploravam a terra de forma nômade, e dela viviam, como se fosse uma propriedade comum. Gradativamente as famílias foram formando tribos e fixando-se no território explorado[1]. Começa surgir a propriedade da terra. O estudo de Marx mostra estes fatos, mais ou menos na mesma ordem (ainda que em momentos distintos) em diversas regiões do globo: na América, na Ásia, além da própria Europa. Surgem as aldeias e, aquelas em que o movimento comercial é mais forte se transformam nas primeiras cidades. As cidades crescem e passam a dominar o campo: “A área cultivada é território da cidade” (p. 69). Com as cidades surgem as guerras e lutas por ocupação do território. Começam surgir, também, as manufaturas e a tal “exploração do homem pelo homem” (esta expressão não está no livro). Mas é aqui que a leitura ficou interessante. Explico, transpondo para nossos dias:

Os movimentos laborais, representados pela estrutura sindical e pela justiça do trabalho, sempre se esforçam (inclusive politicamente) na defesa da manutenção do emprego. Quando uma empresa promove uma demissão em massa, estas entidades, aliadas às Justiça do Trabalho, lutam pela recontratação dos demitidos. Estas mesmas entidades e instituições costumam levantar a bandeira marxista, se dizendo seguidores do estudioso teórico de economia Karl Marx. Li diversas obras que citavam Marx, quase sempre tratando do direito dos trabalhadores e, principalmente, da defesa da continuidade dos contratos de trabalho dos empregados. Até mesmo a Constituição brasileira dedica um artigo inteiro, extenso, tratando destes mesmos direitos e, já em seu primeiro item, penaliza o empregador que não consegue justificar uma demissão de empregado.

Feito este recorte, volto ao livro: Marx critica o poder do dinheiro, que ele chama de ‘capital’, pelo fato de este se sobrepor ao poder do trabalho, ao esforço das pessoas. Critica o fato de o dinheiro se tornar mais importante do que a terra. Este ‘capital’ passa a contratar a força das pessoas para o trabalho, ou seja, transforma as pessoas em empregadas. Marx se refere ao emprego de forma pejorativa: “O processo de dissolução que transforma a massa de indivíduos de uma nação, etc., em potenciais trabalhadores-assalariados livres – indivíduos forçados, simplesmente por sua carência de propriedade, a trabalhar e a vender seu trabalho” (p. 98-99 – não negritado no original).

A conclusão natural é que Marx é contra a existência do emprego, dos contratos de trabalho entre empregadores e empregados: ele defende que o homem seja livre destas amarras, e possa produzir seu sustento de forma independente. Esta é a parte mais surpreendente: é justamente isso que defendem os liberais, tão combatidos pelos supostos seguidores de Karl Marx. Seria Marx um liberal? Afinal, ele se mostra contra o emprego, contra a venda do trabalho, exatamente como pregam os liberais e, principalmente, os neoliberais. Isto me levou a uma frase atribuída a Ronald Reagan: “Os comunistas são as pessoas que leram Marx e Engels, os anticomunistas são aqueles que entenderam”.

Um abraço, e até a próxima!

[1] Na obra ‘Sapiens: uma breve história da humanidade’, Yuval Harari trata este mesmo fenômeno com maior riqueza de detalhes.