Quem está acompanhando as discussões sobre a reforma da previdência, já deve estar ficando maluco: em 2016 o governo Temer apresentou um texto; a comissão especial mudou um monte de coisa; no começo deste ano o governo Bolsonaro apresentou outro texto, completamente diferente; o relator da comissão especial mudou tudo novamente, e seu novo texto deverá ser votado pelos deputados da comissão nos próximos dias. Estudei este último texto, para tentar entender os impactos no custeio do RGPS. Veja minhas conclusões. Antes, uma explicação: onde constar CF, significa que o texto principal da Constituição Federal está sendo alterado; onde constar PEC, significa que é o texto que será acrescentado apenas na Emenda, sem alterar o texto principal da Constituição. Vamos lá.
CF, Art. 194, Parágrafo único, VI – diversidade da base de financiamento, identificando-se, em rubricas contábeis específicas para cada área, as receitas e as despesas vinculadas a ações de saúde, previdência e assistência social, preservado o caráter contributivo da previdência social; e
Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego, outras ações da previdência social e o abono de que trata o § 3º deste artigo.
§ 1º Dos recursos mencionados no caput, pelo menos vinte e oito por cento serão destinados ao Regime Geral de Previdência Social.
Obs. 1: não há regra legal ou constitucional que determine qual será a receita destes três subsistemas individualizadamente. Ou seja, a receita é sempre da Seguridade, sem se identificar quais tributos custeará a saúde, por exemplo. A única previsão de individualização que surge é o § 1º do art. 239, que destina no mínimo 28% da arrecadação do PIS (que incide sobre faturamento/receita das empresas) para o RGPS. Logo, teremos lançamentos contábeis demonstrando a Despesa separada dos três subsistemas, mas para a receita não tem como haver tal individualização – exceto os 28% do PIS, acima. Será que isso pode ser tratado, posteriormente, por Lei?
Obs. 2: O § 1º do art. 239 destinava 40% da arrecadação do PIS para o BNDES, e no texto do relator estes 40% deixam de existir. Logo, o BNDES deixará de receber um recurso que era da seguridade – e, parte deste recurso (mínimo de 28%) será destinado exclusivamente ao RGPS.
CF, Art. 195, II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social;
PEC, Art. 29. Até que lei altere a alíquota da contribuição de que trata a Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991 devida pelo segurado empregado, inclusive o doméstico, e pelo trabalhador avulso, esta será de:
I – até um salário-mínimo, sete inteiros e cinco décimos por cento;
II – acima de um salário-mínimo até R$ 2.000,00 (dois mil reais), nove por cento;
III – de R$ 2.000,01 (dois mil reais e um centavo) até R$ 3.000,00 (três mil reais), de doze por cento; e
IV – de R$ 3.000,01 (três mil reais e um centavo) até o limite do salário de contribuição, de quatorze por cento.
§ 1º As alíquotas previstas no caput serão aplicadas de forma progressiva sobre o salário de contribuição do segurado.
§ 2º Os valores previstos no caput serão reajustados, a partir da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, na mesma data e no mesmo índice em que se der o reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ressalvados aqueles vinculados ao salário mínimo, aos quais se aplica a legislação específica.
Obs.: Apenas inclui a possibilidade de alíquotas progressivas. Em se mantendo o restante do texto a este respeito, a mudança é positiva, pois faz justiça fiscal com o segurado. Por outro lado, reduz arrecadação, o que poderá prejudicar o Orçamento da Seguridade Social. No RGPS, ficaria assim:
Veja que, apesar do texto tratar de contribuição de 14%, na prática a alíquota efetiva máxima será de 11,689%. E, para quem recebe até R$ 4.000,00, as alíquotas serão inferiores às cobradas hoje.
CF, Art. 195, § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, sendo também autorizadas a adoção de bases de cálculo diferenciadas apenas no caso das alíneas b e c do inciso I do caput.
§ 13 REVOGADO
PEC, Art. 31. O disposto no § 9° do art. 195 da Constituição Federal não se aplica à diferenciação ou à substituição de base de cálculo da contribuição de que trata o inciso I, “a”, do caput do art. 195 da Constituição Federal prevista na legislação vigente à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.
Parágrafo único. O disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal não se aplica às contribuições sobre receita que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, substituam a contribuição prevista na alínea “a” do inciso I do caput do art. 195.
Obs.: Aparentemente, elimina a possibilidade de se alterar a base de cálculo das contribuições sobre folha de pagamento, eliminando assim a “desoneração da folha de pagamento”, que substituía a contribuição patronal sobre folha por outra contribuição, sobre o faturamento. Entretanto, o Art. 31 mantém as atuais regras de desoneração. Logo, a alteração do art. 195 só impede que se criem novas regras de desoneração da folha de pagamento.
CF, Art. 195, § 11. São vedados a moratória e o parcelamento em prazo superior a sessenta meses e, na forma de lei complementar, a remissão e a anistia das contribuições sociais de que tratam a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput.
PEC, Art. 32. O disposto no § 11 do art. 195 da Constituição Federal não se aplica aos parcelamentos previstos na legislação vigente à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, sendo vedadas a reabertura ou a prorrogação de prazo para adesão.
Obs.: O texto limita os parcelamentos de débitos de tributos sobre a folha de salários a, no máximo 60 meses; porém, ressalva os parcelamentos que tenham sido feitos em data anterior à entrada em vigor da Emenda. Logo, quem já tem parcelamentos em períodos maiores não será afetado.
CF, Art. 195, § 14. O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições.
PEC, Art. 30. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de um mês receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição, poderá:
I – complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;
II – utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de uma competência em outra; ou
III – agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.
Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo ano civil.
Obs.: mantém uma proposta que foi rechaçada na reforma trabalhista, de exigir contribuição sobre, no mínimo, um salário mínimo, mesmo de segurados empregados. Existem pessoas que tem renda inferior a este patamar mínimo, não possuem outra fonte de rendimento e serão relegadas ao abandono por não conseguirem contribuir com o mínimo exigido. As possibilidades de compensação previstas no art. 30 amenizam, mas não resolvem o problema. Além disso, restringem o aproveitamento de contribuições ao prever a compensação dentro do mesmo ano civil. Pensemos em um empregado que receba salário mínimo todos os meses, mas em dezembro de um determinado ano teve faltas, e recebeu menos. Aquele mês está perdido, salvo se ele complementar a contribuição. Como não tem condições de pagar a complementação, ele quer fazer horas extras no mês seguinte para compensar. O problema é que o mês seguinte é janeiro de outro ano civil, e ele não poderá fazer a compensação, tendo perdido um mês de contribuição.
ADCT, Art. 76, § 4° A desvinculação de que trata o caput não se aplica às receitas das contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social.
Obs.: Acaba com a DRU nas fontes de custeio da Seguridade Social.
Em resumo:
- Parte da arrecadação do PIS (faturamento/receita bruta/folha de pagamento) ficará vinculada ao pagamento de benefícios do RGPS, e este tributo deixará de financiar o BNDES;
- As contribuições da maior parte dos trabalhadores serão reduzidas, pela adoção de alíquotas progressivas de contribuição;
- As atuais regras de desoneração da folha de pagamento continuam em vigência, mas o texto impede o governo de criar novas regras de desoneração da folha;
- Proíbe o perdão de dívidas previdenciárias sobre a folha, e limita-se o parcelamento destas dívidas ao máximo de 60 parcelas. Se antes algum parcelamento mais longo foi concedido, este não será afetado;
- Complica a vida de quem recebe menos de um salário mínimo por mês: ou a pessoa complementa a contribuição, ou soma contribuições de meses diferentes para formar um mês, reduzindo o tempo de contribuição deste segurado;
- Por fim, acaba, enfim, com o roubo introduzido pela DRU.
Vale lembrar, pessoal, que ainda é uma proposta; precisará ser votada pela comissão especial, que poderá ainda mexer neste texto; depois vai ao plenário da Câmara; depois, ainda tem o Senado. Ou seja, estas alterações não entram em vigor na semana que vem…
Um abraço, e até a próxima!