“Eu entendo você que não me entende”

(Humberto Gessinger)

 

Com as discussões em torno da Reforma da Previdência, principalmente após a apresentação da PEC 287, ao final de 2016, a população passou a ter mais informações sobre as contas previdenciárias, e claro, muita confusão em torno disso. Desde a década de 1970 o governo fala que a previdência está quebrada, e a população já se acostumou a este discurso. Por outro lado, nos últimos meses surgem notícias de todos os lados dizendo que não, não há déficit na previdência social: a Associação dos Auditores da Receita Federal – ANFIP – faz estudos há anos sobre isso, e agora estes estudos começam a aparecer, inclusive pelas mãos do Senado na CPI da Previdência. E aí, tem ou não tem déficit?

Importante entender alguns pontos. Os números apresentados pela ANFIP seguem o Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal. Este capítulo trata da Seguridade Social, determina que diversos tributos serão direcionados exclusivamente para a Seguridade (Art. 195), e estes tributos deverão ser usados para financiar a Saúde (Art. 196-200), a Previdência Social (Art. 201) e a Assistência Social (Art. 203-204). A Previdência citada no Art. 201 é o chamado Regime Geral de Previdência Social, do qual NÃO PARTICIPAM os servidores públicos concursados. Ou seja, inclui prioritariamente os trabalhadores da iniciativa privada. A soma dos tributos do Art. 201, quase todo ano supera os gastos de Previdência Social, Assistência Social e Saúde, nos moldes citados acima. Nos últimos 10 anos, o resultado positivo desta conta seria próximo de 1 trilhão de reais. Porém, na prática isso não ocorre pois, desde 1994, o governo desvia 20% da arrecadação destes tributos para outros fins, desvinculados da Seguridade Social (atualmente este desvio foi aumentado para 30%). Nesta visão, se há déficit, a culpa é do próprio governo, que desvia parte dos recursos. Por que os servidores públicos ficam de fora? Porque eles estão em outro orçamento, são bancados por outros tributos, tem tratamento totalmente diferenciado.

Já o governo coloca todo mundo em uma mesma conta: servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada são todos abraçados pela Seguridade Social. Desta forma, entra na conta as contribuições feitas pelos servidores, e as aposentadorias pagas aos servidores. Com isso, a conta realmente explode, e o déficit resultante é monstruoso.

Mas precisamos compreender outra coisa: os servidores não estavam nesta conta até 1993 – e nunca deveriam ter entrado nela. Por que, Emerson? Vamos voltar no tempo: até a década de 1960 ninguém queria trabalhar para o governo, porque ganhava pouco, não tinha segurança alguma. Então, para atrair trabalhadores, foram criadas a estabilidade no emprego, os bons salários, e boas aposentadorias. Trocando em miúdos, foi assim: nós, população, queremos bons serviços públicos, e estamos dispostos a pagar por isso. E quando estas pessoas não tiverem mais condições de trabalhar, nós, população, aceitamos continuar sustentando-as com a mesma renda que tinham enquanto trabalhavam. E isso foi o serviço público até a década de 1990. Paralelamente, o país viveu neste mesmo período um caos econômico: inflação altíssima, descontrole total, incapacidade completa de planejamento e programação financeira do país. Era impossível saber se algo era rentável, se algum serviço público era sustentável. Em 1994, com o início da estabilidade econômica, o governo começa a enxergar seus gastos com mais clareza, e percebe o quanto os servidores públicos pesavam nas contas – principalmente as aposentadorias dos servidores. Começam, então, pequenos ajustes e reformas para colocar estas contas em dia. As contribuições vão aumentando, depois as aposentadorias passam a ter limitações e tetos. Mas esta conta ainda não fecha: as contribuições feitas pelos servidores são infinitamente baixas quando comparadas às aposentadorias recebidas por eles.

Tem-se, então, dois caminhos a seguir: 1) tratar o problema dos servidores, e resolver a previdência deles; ou, 2) junta servidores com iniciativa privada, e trata-se tudo como se fosse uma conta só. Claro, o governo optou pelo segundo caminho. Assim, reduz direitos dos trabalhadores da iniciativa privada junto com os servidores públicos, e dá-se a impressão de se estar fazendo justiça. Uma coisa é certa: os governantes morrem de medo dos servidores públicos. E nós, aqui na iniciativa privada, precisamos dos bons serviços prestados por estes servidores (ok, nem sempre tão bons assim…).

Qual a saída?

A meu ver, os servidores não podem ser incluídos na Seguridade Social, até porque de Social não tem muita coisa: eles têm uma previdência própria, e limitada a quem passou no concurso. Logo, não é nada social, pois não atende a toda a sociedade, é limitada a um grupo de pessoas. Assim, resolve-se a primeira parte do problema: a Seguridade Social é saudável, não precisa de reforma na previdência dos trabalhadores da iniciativa privada.

Ok, Emerson. Mas, e os servidores? Aí vem a segunda e mais delicada parte, que é discutir o serviço público como um todo. O Brasil precisa de tantos servidores? Eles realmente precisam ser tão bem remunerados? Os serviços por eles prestados são realmente eficientes e eficazes? Em minha opinião, boa parte do que hoje é feito no serviço público seria muito melhor realizado pela iniciativa privada. As privatizações da década de 1990 só comprovaram isso, tanto que os governos seguintes mantiveram esta estratégia, apenas mudando de nome (de privatização para concessão). O problema é que estes mesmos governos incharam o Estado, contratando muito mais gente do que o necessário. Tem serviços que obviamente precisam ser públicos, como a saúde (SUS). Já outros poderiam tranquilamente ser privatizados, como os presídios. Até mesmo a educação privada é melhor e mais barata, o que levou os últimos governos a patrocinar vagas no ensino superior privado, via Pró-Uni (privatização disfarçada). E, por fim, a população precisa dizer o que quer, e como quer. Quer continuar bancando o serviço público e suas aposentadorias?

Para se pensar.

Um abraço, e até a próxima!