Todo ano, fim de dezembro (ou até durante o mês de dezembro) o governo publica o valor do salário-mínimo do ano seguinte. Um monte de gente entra em desespero para saber qual será o teto do INSS (desespero totalmente desnecessário, claro), mas só no meio de janeiro que sai o novo teto. Por que não saiu junto com o salário-mínimo?
Vamos entender as diferenças cruciais entre estes dois elementos.
Começamos pelo salário-mínimo, que foi criado no Brasil 80 anos atrás. A Constituição Federal diz que o salário-mínimo será “fixado em lei”, e terá “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Significa que o valor deve ser sempre atualizado, ou reajustado, para manter o poder de compra. Significa que se uma pessoa recebe um salário-mínimo hoje, e este dinheiro dá para comprar uma determinada ‘cesta’ de itens, este poder aquisitivo tem que se manter, ou seja, ela deverá pelo resto da vida, com um salário-mínimo, conseguir comprar no mínimo aqueles mesmos itens. Se em 2015 o salário-mínimo permitisse comprar, por exemplo, dez pares de sapatos masculinos, hoje o salário-mínimo deve comprar, no mínimo, dez pares de sapatos masculinos (apenas um exemplo ‘bobinho’ para a gente entender o que significa manter o poder de compra, ou preservar o poder aquisitivo.
Porém, como sabemos, nosso salário-mínimo não é, lá, aquelas coisas… O valor é baixo, tanto que já recebeu o apelido de ‘gorjeta máxima’. Os governantes, desde a década de 1990, vem tentando aumentar o poder de compra do salário-mínimo. E isso de fato aconteceu: quando a Constituição foi promulgada, em 1988, o salário-mínimo equivalia a aproximadamente 50 dólares; em 1995 chegou a 100 dólares. Já esteve próximo de 300 dólares, hoje está em pouco mais de 200 dólares. Isso mostra que 1) ele tem uma ‘oscilação’ no seu poder de compra; e, 2) ele aumentou pra caramba nos últimos 40 anos. E ainda continua baixo… O que nos mostra que, antigamente, ele era mais baixo ainda!
Bem… A Constituição prevê que o valor do salário-mínimo deve ser “fixado em lei”. Até 2023, anualmente era publicada uma Medida Provisória (normalmente em dezembro) informando qual seria o salário-mínimo do ano seguinte. Para estabelecer o valor, o governo fazia uma ‘projeção’ de qual teria sido o aumento geral de preços naquele ano, e às vezes, acrescentava um ganho real, como forma de melhorar seu valor. Em 2011 entrou em vigor a Lei nº 12.382 que criou uma regra nova: o salário-mínimo teria, todo ano, atualização pelo INPC + o aumento do PIB de dois anos antes. Esta regra valeu até 2015. A Lei nº 13.152/15 estendeu a mesma regra até 2019. Assim, como as Leis definiram claramente a regra de reajuste, bastou ao governo publicar Decretos com os novos valores. De 2020 até 2023 voltamos a ter Medidas Provisórias convertidas em Lei, trazendo o valor do salário-mínimo. Em 2023 novamente foi aprovada a Lei nº 14.663 que trouxe a seguinte regra: será utilizada a inflação (INPC) apurada de dezembro do ano anterior até novembro do ano atual, mais o aumento do PIB de dois anos anteriores. O IBGE costuma publicar o INPC por volta do dia 10 do mês seguinte (eles passam o mês inteiro coletando os aumentos de preços, e ao terminar o mês consolidam todos os cálculos para poder dizer que a inflação foi de x%. Estes cálculos todos avançam pelos primeiros dias do mês seguinte, por isso eles sempre publicam o índice no dia 10). Assim, no começo de dezembro já se tem o INPC de novembro e, claro, de todos os meses anteriores. Então faz-se a apuração do acumulado dos últimos 12 meses; também já se sabe qual foi o PIB de dois anos anteriores, e isso permite que, ainda em dezembro, o governo faça a publicação do valor do salário-mínimo do ano seguinte.
E o teto do INSS? Ah, com o teto tudo é diferente. A Lei nº 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) prevê que o teto será reajustado “na mesma época e com os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social” (art. 28, § 5º). Ou seja, para reajustar o teto, precisa ter reajuste nos benefícios do RGPS. Por sua vez, o art. 41-A da Lei nº 8.213/91 determina que os benefícios serão reajustados, “anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.” Ou seja, o teto será reajustado na mesma data do salário-mínimo, mas NÃO com os mesmos índices e critérios do salário-mínimo: o teto é reajustado apenas com o INPC. Além disso, a Lei fala que o reajuste deve respeitar a data do último reajustamento. Desde 2010 o novo teto vale sempre a partir de 1º de janeiro. Porém, como o anterior também foi em 1º de janeiro, deve-se apurar o INPC acumulado de janeiro até dezembro do ano anterior, para definir o teto do novo ano. E, como já vimos um pouco antes, o IBGE só consegue dizer qual foi o INPC de um mês lá pelo dia 10 do mês seguinte. Assim, só saberemos o INPC acumulado de 2024 por volta do dia 10 de janeiro de 2025 e, só então, saberemos: 1) qual será o reajuste dos benefícios do RGPS; e, 2) qual será o novo teto.
Mas, por que preciso saber antes qual o novo teto? Para nada. Afinal, os benefícios que vão respeitar o novo teto só serão pagos em fevereiro; e as contribuições que vão respeitar o novo teto também só serão recolhidas em fevereiro, em respeito ao princípio da competência tributária. Logo, tenho até o fim de janeiro, tranquilamente, para descobrir e aplicar o novo teto, sem qualquer desespero, ansiedade ou o que quer que seja.
Um abraço, é até a próxima!