“Nessa terra de gigantes
que trocam vidas por diamantes
a juventude é uma banda
numa propaganda de refrigerantes”
(H. Gessinger, Terra de Gigantes)
Quando a família real portuguesa driblou Napoleão Bonaparte e fugiu para o Brasil, trouxe consigo uma corte enorme, cheia de amigos do rei, em torno de 15 mil pessoas que viviam às expensas do palácio. Só para comparar, hoje o Brasil tem (Censo de 2010) 2.978 municípios com menos de 15 mil habitantes. As riquezas do novo mundo foram usadas para bancar as mordomias desta multidão. Imóveis foram confiscados e transformados em P. R. (Propriedade Real, logo apelidado de Prédio Roubado, ou Põe-se na Rua). Em 1821 a corte volta para Portugal, mas deixa aqui a tradição de muita gente dependendo do Estado. Em 1822 vem a independência, e o Imperador manteve a tradição de corte gigante. O país nasceu economicamente pobre, devendo horrores (dentre outros credores, devia para a Inglaterra), mas as regalias dos próximos à coroa não se alteraram.
Em 1889 a família real é deposta, e entramos na era da República. E então, trocamos uma dinastia real, por várias dinastias políticas – chamadas também de oligarquias, coronelatos, alguns até hoje mandando no país (não vou citar nomes e sobrenomes para não cometer a injustiça de esquecer alguns). Continuamos com a ideia de Estado grande, pesado, custeado pelo trabalho da população. Os governos militares (1964 – 1984) criaram uma infinidade de empresas públicas, fortaleceram outras, instituindo a forma atual de funcionalismo: trabalhadores que custam muito pelo tanto que produzem (a melhor prova disso é ver o lucro que tem as empresas que foram privatizadas na década de 1990: a maioria dava prejuízo ao erário, e hoje produzem muito mais, dando um lucro enorme, e gerando receita para o Estado em forma de tributos. Dois exemplos me ocorrem: Vale do Rio Doce, considerada então a única empresa pública lucrativa – motivo para não privatizar, argumentava-se à época – hoje rende muito mais ao Estado em tributos, do que rendia em lucros no passado. Outro exemplo é a Embraer: enquanto empresa pública, prejuízo; hoje privatizada, uma das maiores do mundo em sua área de atuação).
A redemocratização, em meados da década de 1980, deveria melhorar este cenário, mas o piorou: vieram os empregos públicos em demasia, os cargos de confiança em excesso, e o Estado, que já era pesado, tornou-se paquidérmico: pesado, lento e extremamente caro (elefantes, hipopótamos e rinocerontes, perdoem-me pela comparação). O único jeito de sustentar isso tudo, é cobrar mais tributos. E nossa carga tributária chegou a perto de 40% do PIB. Uma das formas mais fáceis do Estado arrecadar tributos é justamente nos combustíveis: a tributação acontece antes de ele chegar ao posto ali da esquina, não tendo a menor chance de sonegação (exceto nos casos de combustíveis adulterados, claro). Só em 2017, um aumento de tributação nos combustíveis trouxe uma arrecadação extra ao governo federal da ordem de 10,4 bilhões de reais (veja bem, não foi a tributação dos combustíveis: foi apenas um aumento nesta tributação: significa que o Estado arrecada muito mais do que R$ 10 bi só sobre a venda de combustíveis). Dinheiro este necessário para sustentar um Estado gigante, que inclui até aquela pessoa que puxa a cadeira do ministro do STF, quando ele se senta ou se levanta. FHC, logo após deixar a presidência da república, disse em entrevista que a coisa mais complicada foi reaprender a abrir e fechar portas, pois sempre tinha alguém abrindo antes de ele passar, e fechando-as logo após. Este “alguém”, claro, é um servidor concursado, com estabilidade no emprego e aposentadoria garantida no futuro. Ah, sim, sustentado pelos tributos que pagamos. Isso sem falar no custo da corrupção, claro.
E aí chegamos à paralisação dos caminhoneiros: querem, entre outras coisas, redução nos tributos incidentes sobre combustíveis. O governo acenou com uma pequena redução, saiu cantando vitória, mas os caminhões continuam parados. Os palácios de Brasília não ouviram o pleito real dos manifestantes – ou, se ouviram, ignoraram. Por mais que o governante desejasse, ele não conseguiria fazer esta redução tributária, pois vai faltar dinheiro para bancar todas as mordomias pagas pelos tributos. “Então, que se reduzam as mordomias”, diria alguém. Mas, como reduzir, se grande parte disso diz respeito a salários altíssimos pagos a pessoas concursadas, com direito adquirido? Estas não podem simplesmente ser demitidas, pois tem estabilidade. A Constituição Federal diz que salário é irredutível – portanto também não podemos diminuir os salários pagos a estas pessoas. Há, sim, diversas outras mordomias, como verbas de gabinete, planos de saúde vitalícios de deputados, carros oficiais de luxo, porém tudo isso, apesar do impacto social, talvez não traga tanto impacto financeiro. Além do que, se o presidente mexer nessas mordomias, votam o impeachment dele no dia seguinte.
E então voltamos ao ponto de partida, que nos leva a um círculo vicioso: o Estado é grande demais, e precisa de muitos tributos para se manter. A única forma de reduzir tributos é diminuindo o tamanho da estrutura, que não pode ser diminuída. Logo, não se pode reduzir tributos… Como resolver isso?
Só uma grande revolução conseguiria alterar o estado de coisas. Porém, não há no Brasil o ânimo necessário para tal revolução. Enquanto isso, protestamos, o governo faz de conta que nos atende, fazemos de conta que aceitamos, depois fazemos outro protesto, e assim segue o jogo…
Um abraço, e até a próxima!