Desde 1995, todo ano o salário mínimo é reajustado. Quase sempre na mesma data os benefícios previdenciários também passam por reajuste em sua renda. Desde 2010, estes reajustes (tanto do salário mínimo quanto dos benefícios) acontece no mês de janeiro, para pagamento a partir de fevereiro.

É muito comum ouvirmos das pessoas uma frase mais ou menos assim: “minha aposentadoria está defasada! Me aposentei com quatro salários mínimos, e hoje recebo dois!” Por que isso acontece?

Vamos à base da discussão. A Constituição Federal estabeleceu uma regra para se definir o valor do salário mínimo. Diz assim seu artigo 7º:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Sempre brinco dizendo que este é um dos textos mais lindos que eu já li. Mas, preste atenção à última parte, que eu grifei: “sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. O que isso significa? A expressão quer dizer que nada, nada mesmo, pode ser vinculado ao salário mínimo. Alguns exemplos:

– Não se pode fazer um contrato de aluguel em salários mínimos

– Não se pode contratar uma pessoa e dizer que vai pagar ‘tantos’ salários mínimos

– Não se pode colocar o preço em um produto no valor de salários mínimos

Chegamos, então, aos benefícios da Previdência Social. A mesma Constituição diz que estes benefícios:

  1. Não podem ter seu valor reduzido ou diminuído (art. 194, Parágrafo único, IV);
  2. Não podem ter valor menor do que um salário mínimo (art. 201, § 2º); e,
  3. Devem ser reajustados para manter o seu valor real (art. 201, § 4º).

Traduzindo, a Constituição está dizendo que o valor não pode ser menor do que um salário mínimo, e que precisa ser reajustado, de tempos em tempos, para manter o poder de compra que tinha antes.

Mas, o problema continua… “Ok, Emerson, os benefícios são reajustados, e o salário mínimo também é. Então, se quando me aposentei, o valor dava quatro salários mínimos, por que hoje estou recebendo só dois?”

Lá em 1988, quando a Constituição entrou em vigor (tecnicamente se diz que foi promulgada), o salário mínimo valia aproximadamente 50 dólares. Na época havia um consenso de que ele devia ser aumentado para, no mínimo, 100 dólares. Dizia-se que quando o salário mínimo chegasse a 100 dólares, nós teríamos um bom salário mínimo.

Por causa disso, colocaram no texto da Constituição aquela frase que está no começo deste texto: “vedada sua vinculação para qualquer fim”. Eles entenderam que, desse jeito, o governo teria liberdade para dar aumentos no salário mínimo, sem forçar que outras coisas também tivessem aumentos. Desta maneira, em 1995 (apenas sete anos depois da Constituição entrar em vigor), o salário mínimo já estava em cem dólares! Ou seja, os governos foram aumentando, aumentando, de forma que em sete anos o poder de compra do salário mínimo dobrou.

Gosto de usar o dólar como “pano de fundo” porque fica fácil de entender. Afinal, os preços em dólares quase nunca mudam[1]. Então, se uma pessoa se aposentou em 1988 com um benefício equivalente a dois salários mínimos (como em 1988 o salário mínimo valia 50 dólares, estamos falando de uma aposentadoria de 100 dólares), e em 1995 sua aposentadoria estivesse com o valor de um salário mínimo, ele não teria perdido nada, porque se aposentou com 100 dólares em 1988, e em 1995 continuaria recebendo 100 dólares.

Mas, Emerson, que maluquice é esta?

Então, gente: a Constituição diz que os benefícios precisam ser reajustados para manter seu valor real. Significa que todo ano deve acontecer um reajuste, para repor à renda da pessoa o aumento de preços que aconteceu no ano anterior. Por exemplo, de acordo com o IBGE, a inflação do ano de 2012 foi de 6,20% (ou seja, os preços das mercadorias, em geral, subiram durante o ano de 2012 uma média de 6,20%). Em janeiro de 2013 os benefícios foram reajustados exatamente em 6,20%, para repor a perda de 2012. E assim acontece todos os anos.

Mas, o salário mínimo, em janeiro de 2013, foi reajustado em 9%! Então, quem recebia salário mínimo, teve um “aumento” de 9%, mas quem recebia aposentadoria em valor maior do que um salário mínimo teve reajuste de 6,20%.

O aposentado perdeu alguma coisa? Não, ele teve o reajuste da inflação, a reposição da perda do ano anterior. Logo, ele recuperou completamente o que tinha perdido em 2012. Assim, com o reajuste, no ano de 2013 ele pôde comprar as mesmas coisas que comprava em 2012.

E quem recebia salário mínimo? Este, além de repor a perda do ano anterior, ganhou um pouco mais, ou seja, teve o que chamamos de “ganho real”. Vou usar uma palavra forte aqui: quem recebeu salário mínimo teve um “enriquecimento” (por favor, não me xingue): esta pessoa pôde, em 2013, comprar quase 3% a mais do que ela comprou em 2012, por causa do aumento real do salário mínimo.

Estes aumentos foram muito expressivos. Eu peguei o valor do salário mínimo do final de 1994 (R$ 70,00), e apliquei a ele os reajustes dos benefícios previdenciários – ou seja, procurei manter o poder de compra do salário mínimo por todo este período. Fazendo esta atualização, hoje o valor do salário mínimo seria de R$ 542,11. Como você sabe, ele é o dobro disso (R$ 1.100,00). Podemos afirmar que quem recebe um salário mínimo hoje tem uma qualidade mínima de vida duas vezes melhor do que quem recebia um salário mínimo em 1994. Nos últimos 27 anos o salário mínimo dobrou o seu valor real, o seu poder de compra. Isto é o que eu chamei de “enriquecimento”.

Já os benefícios apenas mantiveram o poder de compra. Eles não têm enriquecimento, tem só manutenção.

Por este motivo os benefícios não acompanham o valor do salário mínimo, e não há nada de errado com isso!

Um abraço, e até a próxima!

[1] Ok, existem também uma inflação no dólar, mas é quase insignificante se comparada à inflação que temos no Brasil.