A Emenda Constitucional nº 103, que trata da reforma da previdência, foi aprovada.

– E daí? Eu trabalho em RH, nada a ver comigo…

Pois é… #sqn. Pelo menos três mudanças afetam diretamente quem trabalha com folha de pagamento e benefícios a trabalhadores.

PAGAMENTO DO SALÁRIO FAMÍLIA

Emenda nº 103, Art. 27. Até que lei discipline o acesso ao salário-família e ao auxílio-reclusão de que trata o inciso IV do art. 201 da Constituição Federal, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 1.364,43 (mil trezentos e sessenta e quatro reais e quarenta e três centavos), que serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”

§ 2º Até que lei discipline o valor do salário-família, de que trata o inciso IV do art. 201 da Constituição Federal, seu valor será de R$ 46,54 (quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos).”

Traduzindo, a partir da folha de pagamento de novembro, só haverá uma faixa de salário-família: trabalhadores que recebam de zero até R$ 1.364,43 terão direito à cota de R$ 46,54 por filho. Deixa de existir, portanto, duas faixas de pagamento, para ter uma faixa só.

Atenção para um ponto muito importante: o caput do artigo 27 diz “renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 1.364,43”. Logo, se o salário do trabalhador for superior a este valor, mas ele teve faltas, atrasos, foi admitido no meio do mês, ou demitido antes do final do mês, é possível que sua “renda bruta mensal” seja igual ou inferior a R$ 1.364,43. Nestes casos, ele terá também direito a salário-família, ok? Isto vale para todos os meses, não só para novembro. Ajuste teu sistema, ou fale com o fornecedor do software que você utiliza para ajustar estes valores.

TABELA DE DESCONTO DE INSS – APENAS PARA EMPREGADOS, EMPREGADOS DOMÉSTICOS E TRABALHADORES AVULSOS

Esta mudança é mais tranquila, pois vai entrar em vigor apenas em 01.03.2020: a tabela de desconto da contribuição dos trabalhadores (empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos), agora, será progressiva (igual à do Imposto de Renda). Significa que o teu software também terá que passar por mudanças, para aceitar o novo formato de tabela, e a nova regra de cálculo. O texto da Emenda nº 103 diz assim:

Art. 28. Até que lei altere as alíquotas da contribuição de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, devidas pelo segurado empregado, inclusive o doméstico, e pelo trabalhador avulso, estas serão de:

I – até 1 (um) salário-mínimo, 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento);

II – acima de 1 (um) salário-mínimo até R$ 2.000,00 (dois mil reais), 9% (nove por cento);

III – de R$ 2.000,01 (dois mil reais e um centavo) até R$ 3.000,00 (três mil reais), 12% (doze por cento); e

IV – de R$ 3.000,01 (três mil reais e um centavo) até o limite do salário de contribuição, 14% (quatorze por cento).

§ 1º As alíquotas previstas no caput serão aplicadas de forma progressiva sobre o salário de contribuição do segurado, incidindo cada alíquota sobre a faixa de valores compreendida nos respectivos limites.

§ 2º Os valores previstos no caput serão reajustados, a partir da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, na mesma data e com o mesmo índice em que se der o reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ressalvados aqueles vinculados ao salário-mínimo, aos quais se aplica a legislação específica.

Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:

I – no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data de publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos arts. 11, 28 e 32;

Para melhor entender, vamos usar como exemplo um trabalhador que tenha remuneração de R$ 3.000,00. Ainda, só para exemplo, usemos o salário mínimo vigente em 2019 (ano que vem teremos outro valor de salário mínimo, então os valores serão diferentes):

  • Sobre R$ 998,00, desconto de 7,5% = R$ 74,85
  • Sobre o que passar de R$ 998,00 até R$ 2.000,00 (logo, sobre R$ 1.002,00), desconto de 9% = R$ 90,18
  • Sobre o que passar de R$ 2.000,00 até R$ 3.000,00 (logo, sobre R$ 1.000,00), desconto de 12% = R$ 120,00
  • Total da contribuição a ser descontada: R$ 74,85 + R$ 90,18 + R$ 120,00 = 285,03.

É importante lembrar que hoje, este trabalhador paga R$ 330,00 (11%); significa que com a reforma ele passará a pagar menos INSS.

O professor Ivan Kertzman publicou, em seu livro Entendendo a Reforma da Previdência, uma tabela prática, igual aquela que usamos para o cálculo do IRRF:

Remuneração (R$)

Alíquota Redutor (R$)
Até 1 salário mínimo

7,50%

De 1 SM a 2.000,00

9,00%

14,97

De 2.000,01 a 3.000,00

12,00%

74,97

De 3.000,01 a 5.839,45

14,00%

134,97

Usando o mesmo exemplo acima, o cálculo ficaria assim: R$ 3.000,00 x 12% = R$ 360,00 – R$ 74,97 = R$ 285,03.

Provavelmente os softwares adotarão este formato de tabela para facilitar o cálculo. Mas, lembro novamente: esta nova forma de cálculo só vai entrar em vigor a partir de 01.03.2020, conforme previsto no artigo 32 da Emenda.

CONTRIBUIÇÃO INFERIOR A SALÁRIO MÍNIMO

A situação, aqui, é mais um alerta a ser dado aos trabalhadores. Veja:

Constituição Federal, Art. 195, § 14. O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições.

Emenda nº 103, Art. 29. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá:

I – complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;

II – utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de uma competência em outra; ou

III – agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.

Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo ano civil.

Traduzindo a confusão acima, significa que se a base de cálculo da contribuição for inferior a um salário mínimo, aquele mês não será contado na vida previdenciária do trabalhador. Sabe aquele empregado que trabalhou um ano e ficou doente, tendo que pedir auxílio-doença (que exige 12 contribuições)? Se em um dos 12 meses o salário dele foi inferior a um salário mínimo, ele terá problemas…

O próprio texto traz alternativas para ajuste:

  1. Complementar a contribuição. No final de 2017 teve uma Medida Provisória (nº 808) que tentou fazer a mesma coisa. Naquela ocasião foi criado um código de DARF (cód. 1872) para o trabalhador fazer este recolhimento complementar. É possível que a Receita “ressuscite” este código, mas não é certeza. Fique atento às notícias!
  2. Se em outro mês ele recebeu mais do que um salário mínimo, pode usar o valor que excedeu para complementar o mês atual. Vale lembrar que esta regra só pode ser usada dentro do mesmo ano – ou seja, se em dezembro o salário ficar abaixo do mínimo, não adianta fazer horas extras em janeiro do ano seguinte, porque não vai dar pra aproveitar.
  3. Se todo mês o salário do trabalhador for inferior a um salário mínimo (como acontece nos contratos intermitentes e nos contratos de tempo parcial), o empregado tem a opção de pagar a contribuição complementar (item 1, acima), ou juntar um mês com o outro para formar uma contribuição. Pensando em alguém que receba meio salário mínimo, a cada dois meses de trabalho vai contar um mês de contribuição à previdência. Se a pessoa vai precisar de 15 anos de contribuição para se aposentar, terá que trabalhar 30 anos para formar 15 anos de contribuição… Mas, de novo, esta junção de meses só pode ocorrer dentro do mesmo ano. Não dá para juntar meses de anos diferentes.

Muito importante: esta regra só se aplica a partir da competência 11.2019. Se nos meses anteriores o empregado teve salário inferior ao mínimo, não terá problema nenhum, não vai precisar complementar nada, nem juntar nada.

É extremamente importante alertar os trabalhadores sobre esta mudança, para que eles fiquem atentos – principalmente aqueles que recebem valores próximos de um salário mínimo, ou abaixo disso.

Imaginemos um trabalhador com salário mensal de R$ 1.050,00, e que tem uma falta no mês. Você desconta a falta (R$ 35,00) e o DSR (outros R$ 35,00). A base de cálculo do INSS passa a ser R$ 980,00 (1.050,00 – 35,00 – 35,00), abaixo de um salário mínimo. Se ele não complementar, ou se não aproveitar o valor excedente de outro mês, a contribuição deste mês estará perdida.

Como vai funcionar isso? Ainda não sabemos. Possivelmente o próprio INSS, ao analisar o caso do trabalhador, vai olhar se ele teve algum salário superior ao mínimo, que dê para usar o excedente naquele mês que ficou abaixo. Mas, como o texto diz que o trabalhador “poderá” fazer isso, em algum lugar o empregado vai ter que fazer esta opção. Talvez direto no site do INSS, ou no balcão de atendimento quando for pedir benefício, enfim… Não se sabe, ainda, como vai funcionar na prática.

O ideal, mesmo, é que o empregado nunca tenha base de cálculo da contribuição abaixo de um salário mínimo.

Recado final: todas as alterações acima valem, também, para os empregados domésticos!

Um abraço, e até a próxima!