Hoje se comemoram os 100 anos da previdência social no Brasil. Já existiam várias iniciativas anteriores, mas a primeira Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) foi criada em 24 de janeiro de 1923, pela Lei Elói Chaves, que criou a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários. Aos poucos outras profissões foram conquistando o direito de criar suas caixas, seus institutos, cada um com regras diferentes dos outros. As diversas instituições (caixas e institutos) foram se fundindo, e em 1960 o sistema se resumia a seis grandes institutos. No mesmo ano, as regras foram unificadas pela Lei nº 3.807/60, chamada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). A partir de então, todos os institutos passaram a conceder os mesmos benefícios, com as mesmas regras, e passaram também a cobrar contribuições iguais. Em 1966 os seis institutos foram fundidos para se criar o INPS, e daí pra frente todo mundo conhece a história. Mas, o que aconteceu entre 1923 e 1960? Vou abordar aqui, em ordem cronológica, como eram as contribuições que iriam bancar o pagamento destes benefícios.

1923 – foi criada a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) dos Ferroviários

A CAP era criada dentro da empresa, como se fosse um departamento novo (como tem departamento financeiro, departamento pessoal, departamento de vendas, etc). Assim, cada empresa possuía sua CAP.

Os empregados contribuíam com 3% de seus vencimentos, e pagavam uma “joia” equivalente a um mês de salário, parcelada em 24 meses. Cada vez que tivessem reajuste de salário, o valor do primeiro mês de reajuste também se transformava em uma “joia” paga em 24 parcelas.

As empresas contribuíam com 1% de sua receita bruta anual, e com a venda de papel velho e varreduras.

Houve ainda um aumento de 1,5% no valor dos serviços prestados pelas estradas de ferro (ou seja, os usuários passaram a pagar um pouco mais caro), e este aumento era direcionado à CAP.

1926 – entram as empresas de navegação e portos

O Decreto nº 5.109/26 estendeu a lei dos ferroviários para os trabalhadores das empresas de navegação e de exploração de portos, sejam públicas ou privadas.

Quando o salário fosse reajustado, a joia equivalente ao reajuste passa a ser paga à vista. Significa que, se em maio teve reajuste de salário, o reajuste integral de maio já ia para a CAP, e o trabalhador passava a receber realmente o salário reajustado a partir de junho. Os aposentados e pensionistas passaram a pagar contribuições sobre o valor do benefício recebido.

A contribuição das empresas subiu de 1% para 1,5% sobre sua receita bruta anual.

O adicional dos serviços aumentou de 1,5% para 2%.

1928 – serviços telegráficos e radiotelegráficos

As regras aplicadas aos trabalhadores destas atividades seguem idênticas às dos ferroviários; mas criou-se uma taxa adicional: Nasce aqui a chamada “taxa de previdência”, cobrada no valor de 2% sobre as taxas cobradas em despachos para o exterior.

1930 – energia elétrica, telefones e bondes

As CAP criadas nestas empresas seguem exatamente as mesmas regras das CAP dos ferroviários.

1931- serviços públicos de transporte, de luz, força, telégrafos, telefones, portos, água, esgotos ou outros

Poderíamos considerar, aqui, algo como o embrião dos RPPS: uma CAP criada apenas para serviços públicos. As contribuições dos trabalhadores passaram a variar entre 3% e 6% (nas CAP criadas anteriormente era apenas 3%).

No ano seguinte, a contribuição máxima é reduzida de 6% para 5%.

1932 – serviços de mineração

A mesma regra dos ferroviários é estendida a estes trabalhadores.

Estas empresas passam a contribuir com 2% sobre as vendas de minérios e serviços prestados. Porém esta contribuição não é para a CAP de seus trabalhadores, e sim para a CAP dos serviços públicos, criada um ano antes!

1933 – nasce o primeiro Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAP)

O Decreto 22.872/33 cria o IAPM, dos Marítimos. A grande diferença para as CAP é que os IAP não ficam “dentro” das empresas, e não se limitam à cada uma das empresas.

As contribuições dos trabalhadores do IAPM passam a ter um teto mensal de dois contos de réis.

Este Decreto prevê, pela primeira vez, a elaboração de um “estudo atuarial”.

1934 – IAPC (Comerciários)

As contribuições dos trabalhadores ao IAPC variam de 3% a 5% sobre seus vencimentos, com o teto de dois contos de réis. Foi o primeiro instituto a permitir que os empregadores também contribuíssem (igual aos empregados) e se aposentassem (seria o embrião dos contribuintes individuais?)

A contribuição da empresa é igual à dos empregados.

À cada venda feita pela empresa, o cliente teria que pagar uma “quota de previdência” de 1% do valor total pago. Usavam-se selos para comprovar este pagamento.

Uma curiosidade: as aposentadorias permanentes seriam calculadas segundo o regime de capitalização, e os benefícios temporários conforme regime de repartição.

1934 – CAP dos trapiches e armazéns de café (CAPTTA)

Para estas atividades, continuaram a se usar as CAP (e não os IAP). Curiosidade: para participar da CAP, os trabalhadores dos trapiches e dos armazéns de café tinham que ser obrigatoriamente sindicalizados!

1934 – CAP dos Estivadores

Também exclusiva para trabalhadores sindicalizados.

Uma curiosidade: os navios estrangeiros passam a pagar a “quota de previdência de 2%”. 3/4 deste valor ia para a CAP, e o restante ia para a CAP dos servidores públicos!

1934 – IAP dos Bancários

O IAPB cobrava dos bancários contribuições entre 4% e 7%, conforme a faixa salarial (algo parecido com a tabela que temos hoje, em que os % vão aumentando à medida que o salário é mais alto).

A contribuição da empresa (ou dos bancos) é de 9% sobre o total da folha de salários, com teto salarial de cinco contos de réis.

A quota de previdência é de 2% paga pelos depositantes que obtiverem juros em seus investimentos bancários.

1938 – CAPTTA vira IAPETC

A Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Trabalhadores e em Trapiches e Armazéns é transformada no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC).

Os empregados, trabalhadores avulsos e autônomos são considerados segurados obrigatórios. Os empresários são considerados segurados facultativos.

As contribuições dos segurados, aqui, variam de 3% a 8%.

1948 – Mudam as contribuições dos ferroviários e serviços públicos

A Lei nº 593/48 determinam, agora, que os trabalhadores destas atividades contribuam entre 6% e 9% de seus vencimentos. Nos primeiros cinco anos de vigência da Lei, estas contribuições ficariam fixas em 7%.

O público contribui com taxação variando entre 4% e 10% sobre o valor pago pelos serviços públicos que lhe são prestados.

1950 – teto de contribuições e benefícios dos IAP

A Lei nº 1.136/50 estabelece que tanto as contribuições quanto os benefícios dos IAP serão limitadas ao teto de 10 salários mínimos. Naquela época haviam vários salários mínimos, um para cada região do país; por este motivo, a Lei era clara ao se referir ao “salário-mínimo de maior valor vigente no país”.

Curiosamente, não se estabeleceu o mesmo limite para as CAP…

1956 – contribuição fixa para segurados

A partir da vigência da Lei nº 2.755/56, a contribuição dos segurados ficou fixa em 7% de seus vencimentos.

Os demais tributos (empresas, quotas de previdência, etc) não mudaram.

1957 – bancário paga mais caro

Apenas para o IAPB passa a cobrar contribuição de 8% dos trabalhadores.

1958 – todo mundo vai pagar mais caro

Contribuição de 8%, agora, vale para todos os IAP.

1958 – CAP dos aeronautas

Esta foi a última mudança antes de 1960: foram criadas as CAP para aeronautas, e a única contribuição devida seria um “seguro especial ao aeronauta” de 2% sobre os valores de passagens e tarifas aéreas – ou seja, os benefícios das CAP seriam pagos pelos passageiros e pelas empresas que contratassem serviços aéreos.

Será que o sistema era financeiramente sustentável?

O IBGE publicou, no início deste século, uma série de informações, tabelas e dados chamado “Estatísticas do Século 20”. Destes documentos extraí, há alguns anos, as informações financeiras da previdência social, deste período anterior a 1960. Os números são surpreendentes:

A linha azul mostra a arrecadação (trabalhadores, empresa, etc), que vai aumentando ano a ano. A linha vermelha mostra tanto as despesas de manutenção dos institutos (aluguel, empregados, etc) quanto o pagamento de benefícios (aposentadorias e pensões). A linha verde mostra o saldo de cada ano, sempre positivo. E a linha roxa demonstra o saldo residual do fundo, ou seja, a “poupança” que os institutos tinham para investir no futuro, para pagar benefícios no futuro, etc. O saldo era surpreendentemente positivo!

1923 – 1960: Uma história de mudanças, evoluções e reformas

Como vimos, o sistema nascido em 1923 foi sendo aperfeiçoado com o passar do tempo, foi evoluindo, as contribuições foram aumentando, as CAP foram dando lugar aos IAP. Não tratei neste texto, mas os benefícios também eram criados para cada instituto ou caixa de forma completamente diferente uns dos outros: tinha IAP que financiava casa para os trabalhadores, outro fazia empréstimo em dinheiro; as idades de aposentadoria eram diferentes e, como você viu, até 1956 as contribuições tinham regras distintas para cada instituto ou caixa!

Em 1960 é publicada a LOPS (resultado de estudos iniciados mais de 10 anos antes) que, enfim, unifica todas as regras de contribuições e benefícios. Mas, daí, já é outra história…